tem dias que não é tristeza.
é o silêncio.
é o corpo acordando, fazendo o que precisa fazer — comer, andar, ir ao mercado — mas sem alma.
sem cor. sem vida.
faz uns pares de dias, que tudo parece acontecer do lado de fora.
aqui dentro, só o eco.
comer, mas sem gosto.
sair, mas sem presença.
respirar, mas sem sentir que o ar chega de verdade.
eu fico me perguntando: como é que se perde a vida?
será que fui deixando escapar aos poucos, entre uma dor e outra?
ou será que nunca tive por inteiro, só partes?
partes que tentei montar com força, com coragem, mas que nunca se encaixaram completamente?
tem um buraco aqui.
um pedaço faltando.
e não dá pra fingir que ele não existe.
não dá pra preencher com mais tarefas, mais comida, mais promessas.
o que falta é vida.
vida que pulsa, que anima, que empolga.
aquela vontade de sorrir à toa, de fazer planos, de sentir tesão pela próxima refeição ou pela próxima conversa.
aquela que fazia tudo parecer leve, mesmo quando era pesado.
talvez esse pedaço não esteja perdido.
talvez só esteja escondido, adormecido, cansado de tanta luta.
talvez esteja esperando que eu pare. que eu ouça. que eu acolha.
eu ainda não sei como fazer isso.
mas escrever é meu jeito de chamar por ele.
meu jeito de dizer: eu tô aqui. mesmo vazia, ainda tô aqui.
e hoje…
sou espectadora da minha própria vida.
vejo tudo passar, mas nada faz sentido.
as cores não vibram.
as palavras não empolgam.
a comida não tem sabor.
tudo está em degradê de cinza.
meu corpo não reage. estou literalmente adormecida.
e isso é horrível, porque por fora eu pareço bem.
não tenho cortes. não tenho machucados.
mas por dentro, eu grito.
é aqui que estou.
sem respostas. mas tentando dizer.
tentando escrever.
tentando existir.